30 de ago. de 2011

Filme: Jardim das Folhas Sagradas - Cineasta Pola Ribeiro

As Folhas Sagradas

domingo, 28/08/2011



As Folhas Sagradas
Os tambores evocam, mas são as folhas, síntese da floresta, ou seja, a Natureza Concreta que efetiva o Rito. Sem folha, sem água, não há Candomblé, vaticinava Mãe Runhó.  E sem “matança”, expressão inadequada para o “ato de oferenda”, como se realizaria o ato propiciatório?
Esta problemática é o cerne da questão trazida por Pola Ribeiro no filme “O Jardim das Folhas Sagradas”, uma bem sucedida realização. Porém a película não se limita apenas a este aspecto.Como dizemos quando alcançamos um êxito, o sucesso, “Pola deu comida ao santo”, saborosa e eficaz, um respeitoso Ebó “fílmico”.
O perigo de realizações cinematográficas deste viés, e que não ocorre nesta, é a postura do realizador em abordar o tema em tom professoral, tentando “ensinar pai-nosso a vigário”, ou seja, “ebô a pai-de-santo”, “antropologismo” primário que não constrói enredo e fantasias, a alma do cinema.
Dona Detinha de Oya, perguntou-me: “e o enredo?”, na perspectiva de um encandeado construtor da ação em uma obra de ficção, onde vislumbramos entrecho, intrigas, trama, fábula ou urdidura. A película tem enredo D. Detinha, e muito. Não contarei para não retirar o doce prazer do verossímil, assistam.
Algumas pistas. Começa com uma questão crucial frente à prática tradicional de oferendas, as “matanças” e novas concepções voltadas para este ato ofertório, na visão de nada mais nada menos do que o Professor Agenor Miranda, Babalaô. Visão que, aliada a outras do enredo, nos instiga, nos apreende como expectador ativo para um desfecho, tomando partido ou não.
Aspectos da convivência interna e externa do culto são abordados, desde as relações homoafetivas tratadas com dignidade apropriada, na perspectiva de um ato de amor, e os embates tradicionais em versão contemporânea da intolerância religiosa praticada por seguimentos do “Deus para si e o Diabo pros outros”. Falcatruas, empenho ecológico, construções coletivas de utopias e um recorte especial nas crianças, protagonistas em um futuro que não desejamos, de enfrentamentos, no campo da resistência pró-valores sagrados de matriz africana.
E o filme segue, prendendo a atenção de todos, onde os orixás tramam uma conclusão dramática, numa ação do divino. Guiado pelas mãos competentes de Pola, auxiliado pela excelência dos atores e atrizes, numa interpretação segura, sem fanfarronices, estereótipos, pastelões, desempenho piegas ou canastrices, parabéns.
“E o final?”, pergunta D. Detinha. Sabemos que sempre foi desagradável revelar o epílogo de uma trama surpreendente desta obra, pois é aí que o diretor revela a sua habilidade, após alinhavar, provar, chulear e bordar, veste o seu filme com a indumentária de um final que faz com que o expectador, ao contemplar o longo enunciado de atores, técnicos e colaboradores, reflita sobre o que assistiu, negando-se a retirar ao dia a dia cotidiano, remontando a história, agora nas ondas dos prazeres vistos, memoráveis, não só na estética primorosa da fotografia, nas locações, cenários e no contraste de uma cidade edificada em pedras, trator desbravador do verde, e um culto que a quer floresta, vibrante, carregada e distribuidora  de Axé.
Privilegiado por uma seção especial, este texto não se posta como forma de agradecimento pelo deferimento, nem fórmula bajulatória de trocas. Quem assistir ao filme poderá mensurar a minha opinião, embora não sendo crítico. Em se tratando de um culto que me fez fiel, meu compromisso é com os Orixás, Vuduns, Inquises e Caboclo, a eles devo postura de defesa. Caso não me agradasse, nada falaria, deixaria que as divindades premiassem o autor com as benesses ou não. O que, neste caso, o filme de Pola é só merecedor de aplausos.
Ah, D. Detinha, quase esqueço. Não se zangue pelo amor de Deus, tenho a maior para contar. Para o filme, Pola cortou o cabelo de Godi. Respondeu eufórica: “VijiMaria, este filme é mesmo porreta, meu filho. Raspado e catulado Godi?, meu pai Oxalá, eu não acredito. Mas parou por aí, né? Eu, hem, Yayá me deixe.” Sucesso, desejou feliz. Que assim seja, Axé!



 Fonte:  Jaime Sodré 28-08-2011 Ás 12:10

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