30 de set. de 2012

Depoimento por Mariana Passos

Depoimento de aluna: 
 
Mariana Passos   
 
( depoimento conferido em 2012 - Fonte: Facebook)
 
"Miloca! (...) Obrigada por ter sido uma professora tão querida.
Você me ajudou a encontrar e a respeitar a mulher dentro de mim.
Graças a você, pude descobrir tantas nuances,
desvendar tantos mistérios que toda alma feminina possui.
Percebi, assim, o quanto sua missão é bela e como sua trajetória tem sido mágica.
Que você continue recebendo e ajudando muitas outras mulheres
com seu coração tão amoroso e que sua luz possa brilhar cada vez mais forte."

22 de set. de 2012

Evento/Show de dança do ventre temático: Culminancia das aulas de Miliane Tahira no ano letivo de 2012!!!


Dança do ventre e Ancestralidade


Dia 25 de novembro:Apresentação monográfica do tema e apresentações de dança do ventre em três perspectivas:
1) Elementos Ancestrais
2) Ancestralidade e contemporaneidade

3) Dança do Ventre/Ancestralidade e o processo de criação


Vagas limitadas!!!!!!!



15 de set. de 2012

Lançado o site Café com Notícias - por Tássio Revelat e Coriolano - Confiram


Categorized | CulturaMemóriaPolítica

Memória, Turismo e negócios em Lauro de Freitas

Posted on 06 setembro 2012 by admin

Lauro de Freitas, antiga Santo Amaro de Ipitanga, completou no dia 31 de julho, 50 anos de emancipação política e administrativa. Com 163.414 habitantes ( IBGE-2010) é umas da cidades que mais cresce no estado.  Detentora do segundo maior Índice de Desenvolvimento Humano (0,771) da Bahia, considerada um dos municípios mais industrializados do Estado, ocupando a 3ª posição com apenas 59,95 km², Lauro de Freitas enfrenta as implicações sociais e ambientais do rápido e inesperado crescimento.
Nos discursos políticos, dentre vários temas, um ganha notoriedade: Plano de desenvolvimento Turístico. Acreditamos que propostas consistentes para  essa área devem passar pelo resgate da memória da cidade. O município  celebrou 50 anos de independência, mas pouco se sabe sobre a História de Lauro de Freitas.  Como pensar no turismo, seja como fonte de lazer ou para atrair negócios, se ainda não existem políticas públicas para resgatar e valorizar a História de Santo Amaro de Ipitanga ( antigo nome da cidade)? Como podemos atrair turistas sedentos de informação e conhecimento se os próprios moradores não conhecem que são as grandes personalidades históricas da cidade, os empreendedores, os artistas,  os grupos culturais?!
Uma das contra-partidas das várias universidades  aqui instaladas  deveria ser o incentivo à produção acadêmica sobre os aspectos culturais, históricos e geográficos de Lauro de Freitas. Nesse contexto, as Secretarias de Educação e Cultura poderiam apoiar por meio de editais ou outras ações,  projetos escolares que seguem essa linha. A construção de um museu e de bibliotecas de grande porte, certamente, fomentaria um maior debate sobre a(s) identidade(s) da cidade. Portanto, se essas ações não forem colocadas em prática pelos gestores e ficarem apenas como argumentos eleitoreiros, continuaremos com uma cidade sem identidade, sem atrativos turísticos e absolvida pela expansão de Salvador.
Tássio Revelat ( Historiador e pós-graduado em Docência do Ensino Superior)

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9 de set. de 2012

A alma Ancestral do Brail - Parte 1



A ALMA ANCESTRAL DO BRASIL


Roberto Gambini

Tenho refletido sobre o Brasil apoiando-me em minhas duas vertentes, a de sociólogo e a de analista junguiano. Para entender uma pessoa preciso, compreender o meio em que ela vive e só posso entendê-lo se compreender a pessoa. Essas duas dimensões caminham eternamente juntas e da mesma forma como me sinto sempre fascinado para compreender os mecanismos do inconsciente, as idéias de Jung e a fenomenologia do espírito, sinto-me permanentemente atraído a pensar sobre este país. Minha maneira de refletir sobre o Brasil tem sido através da imagem da alma - e quando digo alma, esta palavra tão usada e abusada pelo Catolicismo, digo algo que todo mundo entende. Estou, há muito tempo, em busca da alma brasileira e para isso tenho feito uma reflexão acerca de nossa origem, de nossa História e de nosso drama arquetípico. Num certo momento da trajetória senti-me compelido a retroceder no tempo para muito antes de nossa origem européia e foram então tomando forma a idéia e o interesse por algo que passei a chamar de "alma ancestral do Brasil".
Nós, como povo, temos um grande problema, que é a ausência de um mito de origem. Temos vergonha de nosso passado, que encaramos como se fosse um buraco negro, uma bruma, uma imagem vagamente aterradora ou claramente desprezível. Começamos a contar nossa história de povo a partir de um ato fabuloso chamado Descobrimento - que sabemos ser uma inverdade e o termo correto, Invasão - e construímos um arremedo de identidade a partir de 1500, o ano do encontro de duas parcelas da Humanidade, uma caucasiana e outra autóctone, indígena. Mas não levamos em conta o mito de origem. Tal fato me parece acarretar graves conseqüências no que diz respeito à estruturação de nossa consciência coletiva e à maneira como individual e coletivamente nos relacionamos com as camadas profundas do inconsciente. Como negamos nossa origem ancestral, nós a deturpamos, nós a transformamos em algo diverso do que é. Enquanto povo, começamos já destruindo aquilo que tínhamos de mais precioso. Acolho essa idéia com bastante interesse, porque acho que ela nos ajuda a entender o subdesenvolvimento, que não nos "aconteceu" no século XX; nós já começamos subdesenvolvidos. Porque a alma ancestral brasileira é de uma riqueza, de uma importância, de uma profundidade tal que, se não a tivéssemos negado, estaríamos realizando através de nossa história uma grande síntese de duas maneiras de ser humano, a européia e a ameríndia. Mas não foi feita uma síntese histórica de duas polaridades; o que ocorreu historicamente foi a negação de um pólo pela predominância arrasadora de outro.
Seria bom se começássemos a pensar em nós mesmos do seguinte modo: temos atrás de nós um tesouro inestimável, sistematicamente negado e ignorado através dos séculos. Como isso se deu historicamente a partir do século XVI é fácil pesquisar. Mais difícil é reconhecer que essa negação continua até hoje a se repetir no interior de nossa psique e é por essa razão que me sinto motivado a falar sobre esse tema. Geração após geração repete-se na cultura e em cada um a destruição de uma raiz preciosa e jamais reconhecida. Jung nos ensinou claramente: a inconsciência coletiva se auto-perpetua. Nossos filhos continuam a carregar a mesmo coisa que nós. Será que a consciência coletiva brasileira vai continuar ignorando e desqualificando sua raiz mais profunda, base e sustentação de sua mais verdadeira individuação?
Quando digo raiz, estou pensando em coisas mais precisas. As evidências atuais da Arqueologia, que é um campo em rápida transformação em nosso meio, indicam que o território ameríndio vinha sendo ocupado por seres humanos não há dois, três ou quatro mil anos, como sempre se supôs, mas há dez, vinte, trinta... Essa é uma disputa teórica que envolve interesses acadêmicos pesados, porque se houver o reconhecimento de que o homem entrou, certamente pela Península de Yucatã, na América do Sul há cinqüenta mil anos, isso muda muitas afirmações evolucionistas e muita teoria da Antropologia Física sobre ocupação de territórios, expansão, adaptação, difusão de inventos e periodizações culturais. Há muitos interesses pseudo-científicos em jogo. Mas hoje existe o método de datação pelo carbono 14 e muita coisa ficará esclarecida. Os professores de História do Brasil vão ter que se reciclarem para poderem então dizer às crianças algo do tipo: "imaginem que este solo em que pisamos talvez há cinqüenta mil anos já era habitado..."
Isso significa que as grandes questões da humanidade, as eternas questões do ser humano, já estavam sendo elaboradas e já tinham sido resolvidas por esses povos indígenas há milhares de anos, muito antes do surgimento de Portugal ou da própria civilização européia que veio a ser a matriz de nossa atual consciência. Que questões são essas? São as seguintes: Como sobrevive e não se morre de fome, de abandono, de ataques violentos? Como se vive em sociedade? Como se procria? Como se organiza o convívio? Como se resolve o problema da cultura material, da produção de bens de uso? Como se dá sentido à vida? O que é o bom, o belo, o justo? O que é cruel, mau, injusto? O que é a morte, e o que há depois dela? O que é a doença, como se promove a cura? Como tudo começou? O que torna a vida bela e nos faz ter vontade de vivê-la? Onde se pode cozinhar uma comida, onde se pode guardar água, onde se pode morar? Como se atravessa um rio, como se mata um onça?...
Essas questões foram todas, sem exceção, resolvidas pelos povos ditos primitivos que habitavam as Américas de Norte a Sul de maneira tal que o resultado acumulado é um saber altamente organizado, profundo, completo, coerente, muito diverso do nosso e ao qual chamo de tesouro (ou de raiz). É um conjunto de observações da natureza que se estruturou e confirmou ao longo de séculos e séculos, produzindo conhecimento sobre a terra, o corpo, a mente, o espírito, o grupo, os outros e os deuses, a flora e a fauna, a metereologia, as águas, o vento e o fogo, a cópula, os sentimentos, a dor, os desejos, a morte e o além, o horror, o encantamento e a eternidade. Isso tudo cria alma.

A Alma Ancestral do Brasil - continuação

 continuação...

(...)

O nome disso tudo é alma ancestral, que passa a ser o patrimônio humano supremo, transmitido pela educação quando possível e que com o passar do tempo acaba se incorporando como uma qualidade da cultura e da consciência. O que é um arquétipo? Um arquétipo é uma predisposição, um formato imanente à psique, mas com um ponto de origem no tempo, na História e no espaço. O arquétipo paterno ou materno nasceram no escuro do passado, nos animais e depois nos seres humanos, através de infinitas repetições, que se cristalizaram em nossa psique como uma prontidão para reagir a atuar em determinadas situações que os evocam. Ora, os arquétipos estavam se formando também no Brasil pré-histórico, nesse passado remoto e negado que imaginamos como não nos pertencendo e que vamos buscar nos livros e nas teorias que o evocam alhures e nunca aqui. Há arquétipo da psique brasileira que estão muito bem datados e localizados no solo ameríndio. Lembremo-nos de Jung, que dizia que a psique tem um solo, a psique não vive no ar. Terra e psique, espírito e matéria são duas faces da mesma realidade e não precisamos ler isso em Mysterium Conjunctionis apenas. Isso está no solo brasileiro, os arquétipos também se fizeram aqui, como em outras partes do planeta. Proponho que olhemos para isso e nos perguntemos quantos deles estão adormecidos no nosso inconsciente profundo e o que pode nos acontecer, enquanto povo e enquanto indivíduos, se soubermos entrar em contato com esse lençol freático através de uma raiz suficientemente funda. Eu queria ver isso acontecer no Brasil no terreno da psique. A tarefa histórica que nos cabe é vitalizar essa raiz e absorver dessa camada profunda a seiva que vai nos tirar do subdesenvolvimento. E nos tornar, a nós que trabalhamos com isso, junguianos brasileiros - porque estaremos expressando a alma que na verdade nos mantém. Quer reconheçamos ou não, atravessamos a vida montados na energia dessa alma - pois negada ou não (como mandou Jung gravar sobre o portal de sua casa em Küsnacht), ela está sempre presente.
Há mitos em nosso imaginário ancestral - como por exemplo o da proibição de auto-devoração - cujo núcleo deve remontar à época perdida no tempo em que o homem se condicionou a viver de caça e não de carne humana, provavelmente quando estava descendo das árvores, procurando o abrigo das cavernas e inventando as primeiras armas e ferramentas. Ninguém se aventurou ainda a fazer uma tentativa de datação desses mitologemas - mas para quê fazê-la, se a consciência contemporânea não atribui a menor relevância psíquica à incorporação desses fragmentos perdidos de alma ancestral? A proibição do incesto enquanto condições para o nascimento da cultura - tema tão caro a Freud, Jung ou Lévi-Strauss - está decretada nos mitologemas brasileiros coetâneos ou subsequentes ao aparecimento das primeiras regras de parentesco. O mito segundo o qual a mulher transformada em cobra não se acasala com o irmão, mas engole seu corpo e posteriormente o regurgita coberto de pinturas, é a demonstração brasileira da idéia de que o incesto é proibido porque, se não o fosse, não haveria nem sociedade, nem arte. No aconchego dos ninhos quentes do convívio endogâmico, um rapaz se deixaria ficar para sempre com as mulheres de seu sangue e não sairia jamais em busca de outras, com as quais fundaria novas unidades de parentesco, reprodução e troca econômica. Não haveria circulação de mulheres (para usar a terminologia de Lévi-Strauss), que ao lado da circulação de bens e de palavras constitui uma das estruturas elementares da vida cultural em sociedade. Onde há incestos não há cultura e não há troca, não há humanidade, nem evolução. Nossos mitos sabiam e prescreviam isso. Mas nós não sabemos que nossos mitos já sabiam. Nem que tínhamos mitos.
Ora, essa idéia, que é uma idéia teoricamente trabalhada pela Antropologia, pela Psicanálise ou pela Psicologia Analítica, está muito bem representada na mitologia brasileira. Não seria um motivo de crescimento interno para nós entrarmos em contato com isso - nós, que ficamos voltados para fora sempre, invejando talvez os quatro mil anos do mito de Gilgamesh, o mais antigo da civilização ocidental... mas e os nossos mitos ignorados? Tenho certeza de que se Jung tivesse tido a oportunidade de conhecer a história indígena das Américas ele teria incorporado todo esse riquíssimo material em sua obra, como objeto de estudo per se ou como corpus amplificatório. A tarefa ficou para nós. Proponho justamente uma reflexão sobre tudo isso em termos anímicos.
Nós analistas cuidamos da alma. Temos que perceber quais partes dela estão silenciadas, quais partes estão presas, quanta libido está cristalizada na alma brasileira - porque é fundamentalmente isso que vai nos ajudar a nos tornarmos aquilo que podemos nos tornar e deixarmos de ser sub, isto é, não chegarmos a ser aquilo que potencialmente somos. Esse é o nosso grande drama, essencialmente brasileiro, e o nosso desafio - o desafio do atraso. Ficamos sempre abaixo e aquém - e isso não se resolve nem estudando, nem absorvendo o Primeiro Mundo, nem atribuindo essa tarefa à Política, à Economia, ao Direito Internacional, à Constituição. Essa é uma tarefa psíquica: sairmos da maldição de não podermos ser aquilo que potencialmente somos aprofundando nossa raiz nesse lençol freático subterrâneo onde jaz fossilizada a alma brasileira.
Cada paciente nosso traz dentro de si essa história em miniatura, dizendo sem claramente dizer: "eu podia ser um pouquinho mais aquilo que no fundo sei que sou". E nós, escutando outras palavras, ouvimos exatamente isso e seja qual for nossa linda de trabalho, tentaremos atingir essa camada não vivida do paciente. E para isso temos que entendê-lo como uma pequena peça de um todo que também espera ser compreendido, e nos entendermos a nós mesmos como instrumento de desvelamento do adormecido.
Esse é o núcleo da reflexão que tenho feito sobre nossa alma ancestral e agora eu gostaria , talvez para equilibrar a argumentação, de dizer algo sobre a alma brasileira que se desenvolve a partir da negação da ancestralidade, historicamente em 1500. Foi aí que anos atrás comecei meu estudo, a partir de uma perspectiva em que se combinam a Psicologia Analítica, a História e a Antropologia. Minha tese de formação no Instituto C.G. Jung de Zurique foi uma análise da correspondência jesuítica. Essas cartas, escritas no decorrer do século XVI, são os primeiros documentos brasileiros, a semente de nossa literatura e de nossa consciência coletiva cristã. A primeira delas é de 1549, na qual o recém-chegado missionário Manoel da Nóbrega inicia um relato, ao qual se juntariam outras vozes, em que é descrita a terra brasileira e seus habitantes. Achei que entender o que vinha exposto nessas cartas me ajudaria a perceber, enquanto analista, qual o conflito original a partir do qual teria começado a se estruturar a alma brasileira.
O ano de 1500, se relembrarmos as considerações que faz Jung em Aion, é um ano marcado arquetipicamente, configurando um dos pontos de inflexão da dualidade que determina a história dos dois mil anos da era de Peixes. Na imagem astrológica, a metade do segundo peixe corresponde ao ano de 1500 e ao Renascimento italiano - e, como sabemos, ao Descobrimento (melhor dizendo, à Invasão) do Brasil pelos portugueses. É portanto o ano da retomada da alma ocidental, da alma latina. Mas Jung não diz, porque essa realidade não lhe era tão presente, que esse é também o ano (arredondemos as datas) do encontro entre brancos e ameríndios. A "descoberta" do Novo Mundo não é apenas uma conseqüência dos progressos da navegação desenvolvida pela escola de Sagres, da expansão mercantil ou do extremado arrojo português constelado nesse período, mas um fato histórico determinado arquetipicamente: o encontro de duas partes da humanidade estruturadas sobres bases distintas. Cada parte envolvida viveu e vive até hoje as consequências desse portentoso evento. Para Portugal, foi o apogeu de sua coragem ultramarina, de sua capacidade de penetração e conquista - e o momento de encontrar sua alteridade, seu oposto. Para a nova terra, foi o começo da destruição de sua alma ancestral e de suas populações autóctones. Dois arcos cruzando-se no tempo: um em ascensão, outro em declínio.
Para nós junguianos essa idéia, ou esse fato histórico, pode render muito. Porque o processo de individuação, pessoal ou coletivo, é a busca do Um pelo Outro. Cada um de nós procura um outro desconhecido dentro si, assim como este país deve procurar outro, melhor, mais verdadeiro, mais fincado na própria essência, mas oculto pelo país oficial. Nossa consciência busca seu outro, que é o inconsciente, manancial de onde provém tudo aquilo de que é feita e de onde emana também sua renovação. Nosso ego busca seu outro, que é um ego não apoiado apenas na sombra e na persona, mas um ego sabedor de si e seus limites e portanto servidor do Self. A busca pelo outro é sempre uma busca arquetípica e para nós esse outro é o índio. Literal e simbolicamente. Cada um de nós carrega um índio dentro de si na medida em que carregamos um inconsciente e em que não somos apenas isto que mostramos uns para os outros e para nós mesmos. Há mais. Esse mais eu chamo de índio.
Quando retomamos a idéia de que na história do nosso país o índio é imediatamente catequizado e escravizado e que já em 1500 sua cultura (nossa alma ancestral) começa a ser destruída, vemo-nos diante de dois possíveis objetos de análise: nosso país e nossa psique. Percebemos então de imediato que nosso trabalho de resgate não vai poder ser feito numa vida, porque a destruição foi calamitosa e atingiu confins ainda não mapeados. Estruturou-se em nós uma consciência que perdeu o acesso a esse índio, ela não tem conceitos nem categorias para tanto e na verdade não sabe como acessá-lo. É preciso então admitir que ao lado desse nosso ser conscientizado e corporificado há uma alma penada, um fantasma de uma essência humana que não tem mais corpo porque não houve síntese. A alquimia só pode ocorrer em nós e como ela não acontece, o pedaço não integrado é um pária na nossa psique e na sua própria terra, é um exilado, uma alma descorporificada que não encontra corpo nunca mais.

A Alma Ancestral do Brasil - continuação

Continuação...



Isso é uma perda, uma maldição, em nada menos trágica do que as que se abateram sobre Tebas ou Micenas; é um fator desagregante a operar sem trégua em nossa vida consciente e inconsciente. Está aqui bem ao nosso lado, sobre nosso ombro esquerdo, esse Outro nosso que não temos condições de incorporar. Não porque não queiramos, mas porque não há como. Há na verdade muito trabalho a ser feito até que isso seja psiquicamente possível. O conhecimento da alma ancestral, da cultura indígena e da mitologia precisaria se espalhar pelo Brasil inteiro, para que as novas gerações fossem educadas trazendo em seu imaginário todas as cobras, todas as onças e arco-íris, todos os espíritos da floresta, as maravilhas, os terrores e as metamorfoses que jazem desativados no fundo do inconsciente de todos nós. Quando esse mundo renegado for introduzido no imaginário das crianças, elas começarão a desenvolver naturalmente outros conceitos e outros valores e a partir de um certo ponto começarão a perguntar por que sim e porque não, por que o Brasil é assim, por que se faz um represa que acaba secando um rio (o Tocantins), por que a floresta está sendo destruída, por que os índios estão acabando - ou seja, que modelo de país é esse que nos subjuga. E esse questionamento todo não será o resultado de um doutrinamento ideológico e político, mas resultará sim do estado em que se encontrar um dia o imaginário da nova geração. Que se nutre de imagens e de nada mais.
Somos portanto possuidores de uma verdadeira Enciclopédia Britânica de imagens brasileiras e elas não estão alimentando nosso imaginário. Para falar com a alma é preciso alma, para falar com o imaginário é preciso imagens. Isso vai demorar. Não chegaremos a ver. Mas temos que fazer o que é possível, aqui e agora - no nosso caso de analistas, me parece, o que podemos fazer é trabalhar e criticar a consciência e mostrar-lhe novas possibilidades. Rever e repensar nossas categorias e nossa pseudo-mitologia. A maneira como a História do Brasil é ensinada é brutalmente anti-psicológica, além de ser falsa em muitos aspectos. É preciso ensinar que o Brasil não foi descoberto mas ocupado; que isto não era terra de ninguém, mas de alguém que permitiu que o invasor entrasse por achar que este que chegava era seu salvador, alguém que viria trazer-lhe o que faltava. Os índios abriram os braços e as pernas para receber o europeu. Que veio e fincou uma cruz na carne da religião indígena, como um punhal a atravessar-lhe a alma. O padrão de Porto Seguro, primeira marca da conquista - equivalente, numa analogia moderna, à bandeira americana plantada no chão poeirento da Lua pelo astronauta tornado herói - é uma pedra que traz esculpidas numa face as armas de Portugal e na outra a cruz de Cristo. Esses são os símbolos do começo de nossa História. O que significa psicologicamente essa união entre cruz e espada? Como olhar para a cena da Primeira Missa celebrada no Brasil, tema ufanista de nossa pintura acadêmica, e não perceber nela o começo do genocídio religioso? Quem é o verdadeiro Sacrificado dessa eucaristia? Não o corpo de Cristo, mas a alma indígena - e é precisamente essa idéia subversivamente nova e incômoda que a consciência coletiva deve agora abrigar em seu centro, já que por séculos a manteve negada e reprimida.
Urge perceber que a história dessa primeira missa e de todas as outras que se seguiram não é porém a alma indígena, como seria de se supor, por ser ela o verdadeiro objeto do sacrificado eucarístico. Transsubstanciada, a alma ancestral sacrificada, como a hóstia, seria pela própria coerência simbólica da missa redevolvida perene e fortalecida pela sua junção ao espírito de Cristo. Mas não. Não foi esse o mistério operado pela missa. A missa indígena é o inverso do processo de individuação, é um ritual para desfazer identidades. Na missa que Anchieta verteu para o tupi (Glória), os acólitos índios eram ensinados a pedir a Cristo, cantando:
Vem trazer-me a alegria, trazer-me a tua virtude.
Que eu cumpra a tua palavra e te ame no meu coração.
Tu te tornaste criança porque querias viver.
Vem! E tomara que o mal se afaste de mim para sempre.
Ou seja, a missa instaurava como verdade dogmática que o Mal era imanente à essência dos homens da terra e que só a religião do conquistador poderia redimi-los de tal sina perdida. Aí a cruz e a espada se casaram em perfeita e indissolúvel comunhão de bens.
O que as missas de todo o período colonial de 1549 em diante fizeram descer pela goela abaixo de uma população conquistada não foi a hóstia da valorização da alma, mas a de sua destruição. Foi a hóstia de um catolicismo defensivo, atacado pela Contra-Reforma, que reinstaura sempre o mesmo mecanismo de projeção da sombra. O catolicismo defensivo faz com que o homem ibérico só veja virtudes em si e projete toda a sua sombra sobre o índio, que passa a ser visto como um ser pecaminoso, criado pelo demônio, que não obedece a ninguém, sem lei e sem Deus, um ser inábil para o trabalho, ocioso e preguiçoso, um lascivo incorrigível, portador de todos os pecados, vícios e imperfeições de que é capaz a natureza humana - se é que humanos chegavam a ser. O invasor se sente assim eticamente legitimado a melhorar esse ser ignóbil, dando-lhe uma alma para que ao menos se eleve à categoria de homem. Os missionários jesuítas passarão então a reencontrar o mito da Criação, sendo eles obviamente Deus e os índios a argila a ser moldada à imagem e semelhança do criador. Este é o começo de nossa alma civilizada e esta é nossa pseudo-mitologia.
A pedagogia instaurada no Brasil nascente consistia em tomar um aprendente e lhe dizer, como o fez José de Anchieta, o patrono da educação: "esqueça quem você é, tenha vergonha de si mesmo, largue tudo, olhe para mim e queira ser como eu". Isso ainda está vivo no Brasil, porque quando olhamos para o Primeiro Mundo até hoje fazemos a mesma coisa, especialmente com relação ao pensamento de lá: "esqueça, esqueça, esqueça, olhe para o outro, queira ser igual ao outro, pense como ele pensa". A pequena escola jesuítica, em torno da qual formavam-se os primeiro núcleos habitacionais e para onde convergiam os índios cristianizados, é considerada o marco inicial da sociedade brasileira: meninos índios ensinados por missionários, casas de taipa, cercas, primeiras ruas. Mas a pedagogia que se praticava nessas escolas - São Paulo começou assim, 1554, nos campos de Piratininga - era da negação do ser indígena.
Esses fatos históricos todos precisam ser revistos e interpretados sob um novo prisma que nos ponha no encalço da alma perdida e da individuação abortada. As crianças de hoje precisam ouvir que ao chegar aqui a esquadra descobridora cometeu o primeiro ato anti-ecológico, a derrubada do pau brasil que nos nomeia. Portanto é em 1500 que se origina nosso atual problema de devastação florestal e de destruição da natureza. Uma imagem que expressasse essa idéia deveria aparecer na capa dos livros escolares patrocinados pelo Ministério da Educação até que fosse fixada e lançasse raiz, em substituição a toda uma galeria de imagens alienantes que trazemos no porão da mente e que só nos afastam de nós mesmos por nos manterem na inconsciência. A árvore pau brasil é um símbolo do nosso Self. Começamos derrubando a árvore que nos nomeia. O que isso tem a nos dizer sobre nossas próprias dificuldades de crescimento?